À vontade...o prazer é nosso!

... Afinal, na vida só há espaços verdadeiros para cores, dores, amores...e muitos devaneios.































































terça-feira, 24 de agosto de 2010

Inquirição


Assim que falei seu nome, ela entrou em silêncio na sala. Eu não a conhecia de outras ocasiões, jamais a tinha visto e certamente jamais a verei novamente.
Ela entrou com a cabeça baixa, os olhos marejados e a voz tão embargada que eu quase não conseguia ouví-la, tanto que por diversas vezes eu pedia que ela repetisse, situações essas que me deixam constrangida ao perceber o constrangimento e o sofrimento dela.
Comecei a inquirí-la e perguntar se confimava os atos de agressão sofridos pela nora, praticados por seu filho. A cada pergunta que fazia ela esboçava sua dor num relato triste e comovente.
Eu percebi que ela segurava as lágrimas, tentando se conter, e tive que me esforçar muito para não me perder nas emoções daquela mulher.
Houve um momento em que ela desviou o olhar do meu, virando-se quase de costas, e respirou tão fundo que certamente todos na sala puderam ouvir. Depois voltou-se para mim e, já não podendo mais segurar as lágrimas, irrompeu em um choro abafado, pesado e cheio de culpa.
Ela relatou detalhadamente cada ato de agressão do filho e disse que depois que ele passou a se drogar ele nunca mais foi a mesma pessoa.
Cada palavra que ela dizia vinha carregada de dor, vergonha e humilhação. Houve um momento em que ela não conseguiu continuar, então me levantei, lhe ofereci um copo d'água e com voz fria e firme retomei as perguntas.
O tempo todo ela acreditou que eu estava indiferente, que não fazia nada além do meu trabalho e que tudo que ela dizia não fazia qualquer diferença para mim. Mas ela não sabia [e certamente jamais saberá] que a cada olhar, a cada palavra abafada, a cada momento de silêncio meu coração partia-se numa desesperança singular. Eu sabia que aquela era apenas mais uma, entre as tantas mães, esposas, filhas, que passarão por alí e se tornarão apenas mais um número no imensurável e incorrigível mundo dos casos sem solução, das dores sem remédio, das desilusões e do fatídico rótulo de mãe, esposa, filha, de presidiário. Isso quase a fazia acreditar que sua vida estava tão perdida quanto a dele. E foi assim que um novo personagem passou rapidamente [deixando também uma marca] pela rocha viva daquela sala, sempre tão gelada e cheia de corações tão vazios pela "normalidade" dos casos.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Tentando amá-lo


Ela andava agitada demais para perceber que ele quase se perdia nas curvas que ela própria criava. Ela sabia do risco e das possibilidades de tudo ruir instantaneamente. Mas ela não se importava.
Cada dia que passava com ele ela tentava amá-lo. Acordava no meio da noite apenas para vê-lo dormir e, sentada ao lado dele, em silêncio, buscava respostas para sua infinidade de perguntas.
Enquanto ele dormia, ela podia observar cada traço, cada detalhe que ele trazia na face, e alí sentada , com o queixo enterrado nas mãos, apoida sobre os joelhos, ela imaginava tudo que queria que ele fosse.
Ele tinha uma beleza singular, o rosto era oval, cabelos claros, lábios volumosos e a pele era de uma brancura quase rosada. Era alto, corpo esguio, voz grave. E era apenas isso que ela conseguia admirar. Então, enquanto ele dormia, ela o despia de toda a beleza que ele trazia consigo, o deixava comum, e iniciava mais uma vez sua tentativa de amá-lo.
Ele era um belo frasco, e dormindo, a mansidão que pairava sobre o rosto dele o tornava ainda mais bonito. Mas ela era demasiadamente estranha e avessa as aparências, porque ela sempre acreditava que a beleza das pessoas mascaravam a feiura das suas almas. Isso era um grande problema quando ela decidia se aventurar em seus sentimentos, pois nunca alguém era capaz de lhe despertar aquela admiração adormecida que ela tanto fazia questão de sentir pelo outro. E no meio da noite, olhando friamente para ele, adormecido, imóvel, ela não encontrou razões suficientes para amá-lo, mas como ela não tinha certeza, ela se calou. Quando ele despertou, ela deixou que ele acreditasse que ela realmente estava alí. Sorriu, lhe deu um beijo, o abraçou forte, e com a cabeça no ombro dele, abriu os olhos e fitou o nada, se deixando cair no vazio de suas incertezas. É que ela vivia aprisionada as suas tantas exigências.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Mesmices


...É que às vezes esse vento sem graça, esse céu sem nuvens, esse silêncio sepulcral dentro de mim, me dão uma sensação de que o mundo está parado.
Eu acordo todas as manhãs e tudo é sempre tão igual, quase mecânico. Então eu encontro as mesmas pessoas, nos mesmos lugares e elas sempre dizem as mesmas coisas, estão com os mesmos sorrisos amarelecidos pela insatisfação que todas trazem camuflada n'alma. Elas sempre contam as mesmas histórias, as mesmas peripécias dos filhos, as mesmas reclamações das esposas e dos maridos.
É incrível como as pessoas são tão comuns e se convencem tão facilmente de que a vida que levam é tão cheia de emoções, sem perceberem que tudo que fazem, que dizem, que sentem é sempre tão igual. Talvez elas vejam emoções nas mesmices de suas vidas; assim deve ser mais fácil acreditar que são felizes.
Às vezes eu faço de opinião observar uma a uma, para ver se não ando desatenta e por essa razão as diferenças das pessoas acabam passando despercebidas pela mesmice da MINHA vida. Mas o fato é que não vejo nada de diferente, mesmo depois de muito observar, pois realmente as coisas estão sempre iguais e cada pessoa, uma a uma, vai caindo em seu inevitável desperdício de tempo.
Então eu vou contando os minutos dessa vida tão igual e perdendo também o meu tempo observando as pessoas, já que não tem nada de mais interessante para se fazer quando tudo parece tão parado.
Ainda que um momento nunca mais seja o mesmo, é essa "sensação fotográfica" que tanto me incomoda e me faz ver as coisas e as pessoas sempre tão iguais, que me imerge nesse silêncio do qual eu tanto me queixo.